Por que ensinamos-aprendemos matemática?

Qual o propósito em ensinarmos e aprendermos matemática? Ou melhor, por que ensinamos-aprendemos matemática nas escolas? Trata-se de questionamento recorrente em meio ao dia a dia por diferentes atores envolvidos no processo educacional. À primeira vista pode-se pensar tratar-se de questionamento retórico, sem necessidade e sequer possibilidade de resposta objetiva e imediata, contudo, podemos encará-lo como uma provocação que nos guia a diversas reflexões acerca dessa área de saber, principalmente no momento atual em que a cada dia surgem diante de nossos olhos estatísticas que mostram o quanto o ensino de matemática, em especial o ensino de matemática brasileiro, figura aquém do esperado.
É sabido que a matemática está em todo lugar e de que sem ela não teríamos computadores, televisores, comunicação a longa distância, entre tantos outros avanços tecnológicos que nos beneficiam. Contudo, o que muitos talvez sequer percebam é que a matemática pode fornecer subsídios para a adoção de diferentes decisões pessoais e profissionais, afinal, a matemática é mais do que apenas um corpo de sequências algorítmicas. Por isso, levantamos a questão: Por quê ensinamos-aprendemos matemática na escola?
Para responder à pergunta indicada no título, podemos dizer genericamente que o ensino-aprendizagem da matemática na escola deve cumprir uma função que vai além da preparação para o ingresso em um curso superior ou de apenas realização de operações aritméticas. Deve auxiliar o sujeito que aprende a melhor compreender e intervir no tocante a problemas diversos, e que estão relacionados a diferentes naturezas, sejam algorítmicos ou não, pessoais e/ou profissionais, individuais e/ou coletivos, pois a cada tomada de decisão o trato com variáveis, a análise de probabilidades, a observação de comportamentos e padrões, entre outros, se fazem necessários. Efetuar uma operação e encontrar uma resposta correta é apenas uma fração da utilidade que a matemática possui. Schoenfeld pontua que:

Eu quero que eles [os alunos] entendam que a matemática não é apenas dominar fatos e procedimentos, mas que é também fazer questionamentos (problematizar) e, em seguida, buscar respostas de forma fundamentada. As estratégias de resolução de problemas são instrumentais para resolvê-los, percebendo os objetos matemáticos e suas relações (SCHOENFELD, 2013, p. 27)

Ensinar-aprender matemática tem sido por muito tempo uma tarefa baseada em repetições de exercícios e fórmulas e é a partir disso que diferentes organizações e pesquisadores vêm defendendo um ensino adequado às demandas que lhes são próprias do século XXI (P21, 2016; UNESCO, 2006; KANHAI, SINGH, 2017). Habilidades como trabalho colaborativo, criatividade e resolução de problemas são exemplos de habilidades que devem ser desenvolvidas no ensino-aprendizagem da matemática.
Ao que os achados indicam, o sujeito é levado, ao longo da vida, quando diante de diferentes problemas, a mobilizar uma série de conhecimentos já previamente construídos com o intuito de estruturar um caminho válido e encontrar uma resposta adequada por meio de um rol de atitudes e/ou habilidades como, por exemplo, elaboração de hipóteses, testes, cálculos e verificação. No campo da psicologia, Sternberg (2006) define problema como algo em que haja uma dificuldade em se reconhecer o objetivo, ou no qual o caminho para se alcançar o objetivo não está de imediato evidenciado, sendo similar, portanto, ao entendimento trazido pela OECD (2014) quanto ao que se espera por competência em se resolver problemas como uma capacidade do “indivíduo em se envolver em uma tarefa de compreensão e resolução de situações, ainda que um método de solução não esteja momentaneamente disposto a ele” (OECD, 2014, p.30).
Há que se considerar que muitas pesquisas já avançam na compreensão de que o ensino de matemática deve estimular o raciocínio do estudante, seja por meio de problemas ou por dinâmicas outras que atribuam significado àquilo que deve ser aprendido por aquele que aprende. Vale citar que Fonseca (2015) e demais autores (GONTIJO, 2007; CARVALHO, 2015; FARIAS, 2015), trazem em suas pesquisas realizadas pelos programas de pós-graduação da Universidade de Brasília, sinalizações de como a criatividade no campo da matemática pode também contribuir nesse sentido, dotando os estudantes de liberdade para pensar, estimulando terreno fértil para a geração de diferentes respostas a diferentes problemas a que são postos a prova.
Nesse sentido, para finalizar a reflexão acerca da pergunta presente no início deste texto, ensinamos e aprendemos matemática para nos prepararmos a resolver problemas que são, e serão, apresentados a todos nós ao longo da vida, cujas implicações podem ser as mais variadas possíveis; para mais do que apenas calcular, planejar e tomar decisões, atuar no mundo a partir de um olhar atento a diferentes variáveis que se encontram ao nosso redor; para ler o mundo e nele estar inserido conscientemente. Afinal, qual a semelhança entre o dilema do prisioneiro estruturado a partir da teoria dos jogos de Nash e as delações premiadas que nutrem as presentes manchetes dos noticiários atuais? Eis um exemplo da matemática presente na solução de problemas que inicialmente não seriam matemáticos. Assim como esse, muitos outros podem ser percebidos se olharmos atentamente ao nosso redor e para isso a matemática tem papel fundamental.

Referências
CARVALHO, A. T.. Relações entre criatividade, desempenho escolar e clima para criatividade nas aulas de matemática de estudantes do 5º ano do ensino fundamental. 2015. 132 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília.
FARIAS, M. P.. Criatividade em matemática: Um modelo preditivo considerando a percepção de alunos do ensino médio acerca das práticas docentes, a motivação para aprender e o conhecimento em relação à matemática. 2015. 75 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília.
FONSECA, M. G.. Construção e validação de instrumento de medida de criatividade no campo da matemática para estudantes concluintes da educação básica. 2015. 104 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília.
GONTIJO, C. H. Relações entre Criatividade, Criatividade em Matemática e Motivação em Matemática de Alunos do Ensino Médio. 2007. 194f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília/DF, 2007.
KANHAI, A., SINGH, B.. Some environmental and attitudinal characteristics as predictors of mathematical creativity. In: International Journal of Mathematical Education in Science & Technology, p. 327-337, 2017.
OECD. Pisa 2012 Results: Creative Problem Solving: Students' Skills in Tackling Real-Life Problems. Volume V, 2014.
P21 – Partnership for 21st Century Learning. Framework for 21st Century Learning, 2016. Disponível em < http://www.p21.org/storage/documents/docs/P21_framework_0816.pdf>. Acesso em 8 mai. 2017.
SCHOENFELD, A. H. Reflections on Problem Solving Theory and Practice. The Mathematics Enthusiast, V. 10, nº 1 e 2, pp.9-34, jan. 2013
STERNBERG, R. J. The Nature of Creativity. Creativity Research Journal, V. 18, n. 1, 87–98, 2006.
UNESCO. Road map for arts education: The world conference on arts education – Building creative capacities for the 21st century. Disponível em: < http://www.unesco.org/fileadmin/multimedia/HQ/CLT/CLT/pdf/Arts_Edu_RoadMap_en.pdf>. Acesso em 16 jun. 2017. 


 Prof. Me. Mateus Gianni Fonseca
Instituto Federal de Brasília – Campus Ceilândia

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